De repente o despertador tocou me chamando para uma realidade nova. Abri os olhos e o peso que andava grudado no peito sumiu. Foi estranho me levantar e não encontrar àquele que me acompanhara tão fielmente durantes os últimos dias. Levantei então da cama devagar, para não assustar meu corpo dessa inesperada leveza matinal e andei pelos cômodos da casa, tudo ainda estava no seu devido lugar, menos o peso. Me troquei, mas não comi, ainda não consigo engolir nada, saí de casa. O céu ainda negro se despedia da escuridão que estava de malas prontas para partir. Me deparei com minha imagem no vidro de um carro, tão batida, tão sem graça, tão apagada que quase não me reconheci. Continuei o meu caminho, será? Como quem não quer nada um raio de sol me percorreu, levei um susto tão grande que gritei. Mas ele não teve medo, continuou percorrendo meu corpo e se multiplicou, fui cercada por raios de sol, mas não o mesmo sol que todos conhecem, esse sol é só meu, esteve ao meu lado desde o dia que nasci e me guiou em meio às pedras da minha trajetória, ele me segurou sempre que teimei em cair e empurrou nos momentos que eu quis desistir, ele manteve firme a minha habilidade de sorrir mesmo quebrada por dentro e sonhar mesmo quando todas as esperanças se mostraram vencidas. Ele esteve fora, ele foi suprimido por um intruso malcheiroso que tentou me destruir, que tentou levar o bem mais precioso que existia em mim, minha alegria de viver. Ah sol, tão bravo e poderoso, deu um jeito de se levantar, varreu o mundo, espantou a tempestade e voltou ao seu lugar, me livrou do invasor mal intencionado e fez sorrir. Um sorriso pequeno, tímido, mas verdadeiro. Aos poucos eu permiti que ele entrasse no seu cantinho e terminasse seu trabalho, e quanto trabalho ele tem pela frente: mágoas pra apagar, expectativas pra jogar fora, lágrimas para secar, mas o principal ele já conseguiu, trouxe de volta a minha vontade de sorrir, um sorriso largo, aberto, arreganhado para o mundo e uma vontade imensa de viver. Vontade de dançar até o dia nascer, vontade de gritar, pular, correr, até não ter mais fôlego, vontade de renascer...
"Melhor viver, meu bem Pois há um lugar em que o sol brilha pra você Chorar, sorrir também e depois dançar Na chuva quando a chuva vem" (Felicidade - Marcelo Jeneci)
Não quero suas meias verdades e nem seu carinho inconstante, não quero a intenção de normalidade e nem o sorriso de um tudo bem que esconde a dor. Não quero a presença ressentida da ausência, e saudade dolorida da permanência da falta que faz. Não quero ser a prorrogação do segundo tempo e nem o encaixe entre duas sessões.
Não quero decorar suas falas para repassar em minha mente nas 72 horas seguintes que não te verei. Não quero que me faça sorrir se depois me provocará lágrimas.
Não quero forçar meus lábios para cima enquanto penso em você.
Não quero andar para frente se ficar parada me agrada mais e nem abrir os olhos se a escuridão tem sido muito mais acolhedora.
Não quero me obrigar à atitudes imaturas para provar que vivo sem você e nem tomar decisões difíceis enquanto espero que o tempo resolva as questões por mim.
Não quero não poder querer tantas coisas se o bem querer me faz tão bem. Não quero a casa bagunçada mesmo com o lixo embaixo do tapete.
Não quero essa merda confusa invadindo meus momentos de descanso e nem esse martelo batendo em um prego que de tão torto não vai mais ceder.
E acima de tudo não quero não saber o que eu quero enquanto espero descobrir o meu querer.
Ela abre os olhos, senta na cama, e se pergunta pra onde foi àquele sorriso rotineiro das manhãs de domingo.
Ela anda pela casa, bebe um copo de leite, olha em volta e procura por aquilo que nem sabe o que é.
Ela põe uma camiseta velha, deita no sofá, assiste um filme e espantas as perguntas que entram pela janela junto com o ar.
Ela traça seu cronograma diário, lê mais um capítulo de um livro, escova os cabelos e promete correr no dia seguinte.
Ela anda pela rua e tenta não pensar, pisca para um cara bonito e depois vira para o lado como se não fosse com ela.
Ela dança com as pernas de quem não tem o que perder, solta um riso frouxo e diz ser tão feliz, se joga no universo convicta de que nada mudou.
Então ela para, come uma mousse de chocolate e sem perceber chora, chora à mobilidade tão imóvel, e à normalidade tão mudada, chora por saber que a força aparentada esconde o equilibrista na corda bamba.
E depois ela segue seu caminho, confere a hora uma última vez, veste seu figurino e
sai pela porta aberta sem olhar pra trás.
Acho que virei um zumbi. Será? Meus olhos estão abertos, então eu deveria estar acordada, não? Por que então eu não sinto fome, para onde foi àquela vontade constante que eu tinha de comer? O ar não entra mais nas narinas, meu peito não sobe e desce com minha respiração. Ando a esmo sem saber onde vou, arrasto meus pés sem saber direito como andar. Meu olhar perdeu o foco, vejo o vazio embora não enxergue mais nada à minha frente. A água salgada deixa turva a minha visão e só consigo me obrigar a ir para frente rumo há uma felicidade que nem sei se ainda existe. "É preciso viver como se não tivesse mais", "é preciso continuar como se fosse o fim", são frases que as vozes ao meu redor repetem a todo momento, será que elas não sabem que eu não escuto? A única voz que consigo ouvir é a dor gritando e vazando por cada poro do meu corpo, clamando por você. Eu estava preenchida e sua partida me esvaziou. Estou dormente, sonambula, um corpo sem vida fingindo estar saudável, um vida morta fingindo estar pulsante. A única coisa que resta viva são as lembranças, tão fortes, tão intensas, tão presentes. Cada momento, cada toque, cada carinho ainda latejam em cada centímetro da minha pele. E o sopro de sua vida em mim é o que me impulsiona para todo o resto que tenho que fazer, é o que conduz os próximos dias que mesmo zumbi tenho que viver, é o que me força às palavras manchadas de um falso sorriso "estou bem", sem saber as cabeças ao redor que cada vez que tenho de repetir uma parte de mim se quebra mais. Opa, um lampejo de consciência surgiu, e sabe o que eu lembrei, que estou sozinha aqui, melhor voltar para minha estabilidade de zumbi.
Odeio o barulho que faz quando abro a porta. O som das chaves balançando de um lado para o outro me avisam que ninguém mais vai entrar, que ninguém mais estará lá dentro.
Odeio o barulho que faz quando abro a porta. Ninguém responde quando digo olá. Não existe sorriso pra me receber depois de um beijo.
Odeio o barulho que faz quando abro a porta. Não tem passos pelo chão e nem roupas pelo caminho.
Odeio o barulho que faz quando abro a porta. É o som do silêncio ensurdecedor em meus ouvidos o que machuca mais. O silêncio invade toda parte, rasga meu peito e esfrega na minha cara as gargalhadas que ficaram para trás. Não tem luz acesa, a tv desligou, o abre e fecha da geladeira cessou.
Odeio o barulho que faz quando abro a porta porque é som de não ter som que me faz lembrar você, que me faz lembrar da ausência de você, que me faz lembrar que o único som que vou continuar a ouvir, é o barulho que faço quando abro a porta e meu coração bate acelerado na vã esperança de te encontrar...
Vai, enxuga essa lágrima anda! Vá lavar o rosto e tirar essas marcas da dor. Anda, cessa com essa água que teima em brotar desses olhos que antes viram tanta beleza e agora só conseguem enxergar a dor. Não faz isso com você. É hora de levantar, tirar essa roupa molhada de sal, sacudir esses cabelos, respirar fundo e seguir. Não importa pra onde, mas você tem que seguir. Vai, veste a máscara do sorriso e decore bem o texto ESTOU BEM, é só isso que tem que repetir, se repetir mil vezes talvez se torne real. Então vai, põe um salto alto e imagina que a vida é festa e que você não precisa de luz para desfilar. Anda no escuro pois você sabe se guiar sem alguém ao seu lado. Levanta o muro de pedra, estampa sua melhor foto na cara, grita e depois vai. Vai em frente, vai para trás, vai para os lados, vai para o alto, vai para o fundo, mas vai. Vai que de tanto ir uma hora você descansa. Uma hora a dor não vai mais conseguir te alcançar, mas para isso você tem que ir, então vai. Vai, eu te empurro, eu corro com você, eu seguro a sua mão, mas vai. Vai, por favor, vai... Levanta, anda, corre, vai...
Tá difícil segurar o coração dentro do peito quando alguém
chega e ele corre apressado pensando que é você. Meus olhos rasteiros, não
conseguem evitar se lançarem para cima na direção da sua possível chegada. O
celular fica ali, jogado de lado, se insinuando para mim, se exibindo, me
provocando, me desafiando a pegá-lo sem mexer no seu nome, sem olhar na caixa
de mensagem, sem procurar um vestígio de você... E mesmo sem querer, assim que
a tela se acende você aparece, me lembrando do ontem feliz, me lembrando da
falta que você faz. Maldito celular que teima em apitar pra avisar que os
créditos estão acabando ou oferecer mais um pacote em promoção, e nenhum pacote
incluiu você. A cama habitualmente quente nos últimos dias se tornou um imenso
mar de gelo e solidão. O edredom não é suficiente para me esquentar, o
macaquinho de pelúcia não se encaixa perfeitamente entre meus braços e o
travesseiro entre as pernas não se parece em nada com você. A TV está ligada, a música
toca alegre na caixa de som, as páginas do livro são viradas, mas meu
pensamento ainda corre pra você. O vento faz a chave na porta tremer e dou um
pulo pra ver se é você, não é. Calço seu chinelo na esperança de sentir você
aqui, olha pra suas coisas, você está em todo lugar e ao mesmo tempo, não está.
Droga de pele que não para de ansiar pelo seu toque, droga de corpo que insiste
em sentir frio porque falta seu calor. Droga de inverno que chegou no momento
em que você partiu. Droga de vazio que você deixou e que mesmo querendo, não
consigo preencher.
Quero que o sol volte, quero o sol perto de mim. Agora vou
fechar os olhos e fingir que você nunca existiu, vou deitar na minha cama e
acreditar que tudo foi apenas um sonho. E depois vou acordar, lavar o rosto e
seguir em frente como se nada tivesse acontecido. Vou fazer isso.
Mas eu só sei desejar
que sinta a minha falta... Eu só sei desejar que tenha saudade de mim...