sexta-feira, 12 de julho de 2013

Carolina

 Carolina gostava de brincar, mas se irritava sempre que era hora de voltar para casa. Subia em árvores, escalava muros, cavava buracos, mas nunca pensava em voltar para casa.
 Em casa tudo era quente, confortável, gostoso. Tinha delícias de todas as formas e era seguro viver ali. Todos amam sua casa, mas Carolina não, ela prefere sair.
 Lá fora pode ser frio e escuro também, lá fora é desconhecido e turbulento, meio chato, mas promissor também. Lá fora tudo acontece, mesmo quando se está parado. Ela se machuca, chora, grita, corre, se esconde, passa mal. Mas Carolina não se importa com nada disso, porque ela também sente, sangra, ri, engasga, roda, pula, dança, voa, se joga, se doa. Lá ela é viva, é solta, é pura, é selvagem. Lá não existem amarras para lhe prender. 
 Um dia, devido uma tempestade, Carolina voltou mais cedo para casa. Ao olhar para trás percebeu a mudança de cor. Ela nunca havia reparado que lá fora, pela sua janela, o mundo fica cinza. "Mas como se é tão colorido quando estou lá?", ela pensou. Tomou sua sopa quente, um banho e foi deitar. Aquela cor não saia da sua cabeça, como podia um lugar tão colorido se tornar cinza e sem brilho através da sua janela? Ao primeiro raio de sol, correu para a janela, cinza. Foi até sua sala e olhou através dos vidros, cinza. No banheiro, na cozinha, pelo sótão, só se via cinza, cinza, cinza. Antes não era cinza... Teve medo.
 Naquele dia Carolina não saiu para brincar. No dia seguinte também não. Aos poucos ela foi se tornando parte da casa, do sofá, do chão. Ela não sorria mais, nem chorar também conseguia. Pobre Carolina, se apagou.
 Um sopro pela janela, forte, quente e tranquilo, a despertou. Temerosa olhou para os lados tentando entender. De alguma forma a janela estava aberta e havia alguém ali. Uma presença, uma voz que a convidava para uma dança. Carolina queria ir, mas seus pés não tinham forças para sustentar seu corpo. O vento então a levantou e envolveu, aos poucos foi girando, rodopiando, flutuando, o inesperado, ela sorriu. Riso fácil, riso solto, riso verdadeiro. Ela ria, gargalhava e corria pelo ar. A casa se tornou pequena, ela queria mais. Sem pensar, lançou-se porta afora e voou pelo mundo, era branco, sem cor, mas nítido e caloroso. Cuspiu os últimos temores e pôs-se a correr. Cada esquina uma cor, cada buraco um som, cada canto uma alegria. Carolina descobriu de novo o seu mundo, vasto, possível, infinito, mexido, possível. Com asas nos pés e cabelos revoltos se jogou para nunca mais voltar.
 Agora a casa de Carolina é ela quem faz. Não tem mais medo de tempestades, agora, ela tem o vento para levá-la para longe e tinta para pintar as cores desbotadas de novo.
 Não é confuso, é Carolina. É alma solta, é asas nos pés, é cabelos revoltos, é menina, é... É Carolina.




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